Resenha: Tudo que deixamos para trás

Título: Tudo o que deixamos para trás | Autora: Maja Lunde | Editora: Morro Branco | Ano: 2016 | Páginas: 475 

Faz tempo que eu não passo por aqui, hein? Eu já estava morrendo de saudades! Fico feliz em dizer que voltei para falar de um livro sensacional, um livro que, certamente, entrou para a minha lista de favoritos da vida. 

Tudo o que deixamos para trás foi escrito pela norueguesa Maja Lunde e tem sua história contata por meio de três narrativas. Cada uma a seu tempo - passado, "presente" e futuro -, cada uma com um narrador diferente, cada um com uma história de vida diferente; mas todos têm algo em comum: abelhas. 

Tao, uma chinesa que vive no ano de 2098, nos apresenta um universo distópico, e nele conhecemos um planeta sem abelhas. Ali as árvores são polinizadas manualmente, as frutas são artigo de luxo, a alimentação é regrada, bem como a educação, pois após determinada idade, a criança é obrigada a ir para os campos de polinização a fim de fazer o trabalho que a maioria das pessoas daquele tempo executa. As grandes  metrópoles estão vazias, quase não se vê pessoas nas ruas. O mundo inteiro tenta se reerguer após uma catástrofe de grandes proporções. A pobreza é a realidade daquele tempo, um tempo em que até mesmo os ricos precisam fazer concessões para sobreviver. A agropecuária e toda a indústria alimentícia passam por um momento de miséria aterradora. É desesperador! E o que desespera não é ver tanta miséria, mas sim saber que esse futuro distópico não tem nada de impossível. Esse será o nosso futuro caso as abelhas sejam extintas.O impacto ali narrado é assustador, podem acreditar. Mesmo vivendo num tempo tão sofrido, Tao quer o melhor para o seu filhinho Wei-Wen. Ela quer vê-lo estudando, se destacando, pois assim não terá o mesmo destino que seus pais - os campos de polinização. Em um passeio, o garotinho é acometido por um mal súbito, e após esse mal, Tao luta para não sucumbir ao desespero, impotência, culpa e frustração.

A segunda narrativa fica por conta de William, um britânico que vive em 1852. Ele é um biólogo/cientista que quer ser conhecido em todo o mundo pelo seu estudo das abelhas. Ele quer criar uma colmeia visionária e moderna, e pretende que tal colmeia entre para história. Depois de uma série de percalços, de um período de depressão causado por uma decepção acadêmica muito grande, ele resolve se levantar da cama, sacudir a poeira e se dedica àquilo que sempre sonhou. Para tanto, ele estuda e faz muitas pesquisas, até que ele chega ao que ele pensa ser o modelo perfeito e ideal de uma colmeia. Sua meta não é somente a fama, mas o reconhecimento e a admiração de seu antigo professor e mentor, bem como a de seu filho mais velho, um rapaz que se afastou muito da família e que tem tido um comportamento bastante problemático. Essa caminhada não foi das mais felizes, nem das mais fáceis. Ele sucumbiu ao desânimo diversas vezes, para no fim, as coisas não saírem exatamente como ele queria. 

No "presente", no ano de 2007, conhecemos George, um apicultor americano que cuida de suas abelhas como se fossem da família. Seu apiário está na família há gerações, e ele se orgulha de ter um método de trabalho metódico e cuidadoso, além de fazer uso de um modelo específico e artesanal de colmeias. Seu grande sonho é que seu filho assuma seus negócios, mas o garoto não quer saber do assunto. Ele quer ser um jornalista ou até mesmo um escritor, e cuidar de abelhas não está nos seus planos; até que o apiário de seu pai é acometido pelo grande mal do século, o DCC - Desordem do Colapso das Colônias. Suas abelhas estão morrendo, e ele se vê sem esperanças de continuar tirando seu sustendo dali. 

A autora consegue, brilhantemente, fundir esses três mundos e personagens que, aparentemente, são tão diferentes, e esse é, sem dúvidas, o ponto alto da trama, e junto com ele, o fato de que a narrativa nos proporciona uma gama imensa de sentimentos - frustração, revolta, dor, sofrimento, alegria, tristeza. Tudo que deixamos para trás é um livro que mexe conosco, e muito. Ele nos tira de nossa zona de conforto, pois o que temos ali não é uma história cheia de finais felizes, pelo contrário. Vemos a decadência de cada um dos personagens, cada um a seu modo, e isso é desesperador. Quanto mais lemos, menos esperanças temos de encontrar um final feliz. Mas ele vem, de alguma forma. 

Não espere um final em que tudo se resolve, em que todos estão complemente felizes e realizados. Deixe isso para os contos de fadas e para os livros que nos transportam para realidades diferentes das que vivemos. No fim, temos personagens conformados com o que conseguiram após tanta batalha. Temos personagens que estão conformados com seus destinos e estão, de alguma forma, felizes com o que conseguiram a duras penas. E tudo isso é avassalador. É lindo. É real, sabe?

Além das abelhas, outra coisa muito presente na trama é a complexidade da relação entre pais e filhos. Ela nos leva a refletir sobre cada uma das relações narradas, nos faz pensar em nós mesmos e no nosso comportamento perante a nossa família e a importância que essa relação pode ter tanto para os pais quanto para os filhos. Temos exemplos reais de como esses laços podem salvar ou até mesmo destroçar uma família, uma pessoa. 

As reflexões aqui são muitas, acredite em mim. Dificilmente você sairá ileso dessa leitura. Te desafio a terminar de ler esse livro e não começar a agir de forma diferente, a não ser diferente. E principalmente: após essa leitura, te desafio a fazer qualquer mal que seja a uma abelha.

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